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O elenco original de ‘Kamen Rider’: A série que quase foi

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Como já abordado em textos anteriores (e no Tokucast #243), o projeto que acabou se tornando a série Kamen Rider (仮面ライダー) passou por várias fases e reformulações entre o final de 1969 e o início de 1971, até que todas as decisões criativas fossem finalmente estabelecidas. Entre essas versões, a que mais se concretizou antes do formato final foi a intitulada Crossfire, com roteiro piloto, designs desenvolvidos e até mesmo elenco escalado.

Na época da proposta para a série de TV Crossfire, apresentada pelo produtor Toru Hirayama da Toei à emissora Mainichi Broadcasting System, os atores Masaomi Kondo e Yoko Shimada foram selecionados para os papéis principais de Takeshi Hongo e Ruriko Midorikawa, respectivamente. Eles chegaram a participar de sessões de fotos com figurinos para materiais promocionais.

O nome de Akiji Kobayashi (Tobei Tachibana) também já constava nos memorandos iniciais, embora não haja registros visuais dessa fase com ele. O roteiro do episódio piloto, intitulado Kaiki! Kumo Otoko! (Bizarro! Homem-Aranha), já havia sido escrito, com design de monstro assinado por Shotaro Ishinomori.

O segundo episódio, originalmente chamado A Misteriosa Casa dos Horrores, foi escrito por Masaru Igami e mais tarde renomeado como Kyōfu Kōmori Otoko (O Aterrorizante Homem-Morcego). Ambos os roteiros foram posteriormente reaproveitados para os dois primeiros episódios de Kamen Rider.

Durante essa fase, também circularam os títulos provisórios Jūji Kamen (Máscara de Cruz) e Jūji Kamen Rider. Nesse conceito, Hongo era um fugitivo perseguido tanto pela Shocker quanto pelo governo japonês. Ruriko buscava vingança, acreditando que ele havia matado seu pai. É mencionado que a remodelação do personagem se deu devido eletricidade e não por uma cirurgia “ciborgue” como na versão final e que Hongo teria uma enorme cicatriz de cruz no rosto.

Masaomi Kondo deixou o elenco entre novembro e dezembro de 1970. O motivo nunca foi totalmente esclarecido. Alguns membros da equipe da emissora afirmaram que ele não transmitia a força necessária para interpretar um herói, sendo escolhido apenas por sua aparência. Outras fontes indicam que ele teria aceitado um trabalho mais lucrativo na TV.

Curiosamente, o Takeshi Hongo do mangá Kamen Rider publicado na Bokura Magazine, ilustrado por Shotaro Ishinomori, lembra muito a aparência de Kondo nas fotos promocionais, o que sugere que os primeiros esboços podem ter sido inspirados nele.

Antes de sua participação em Crossfire, Kondo já tinha destaque por papéis em filmes como Erogotoshitachi (1966), dirigido por Shohei Imamura, o jidaigeki Jūichinin no Samurai (também de 1966, dirigido por Eiichi Kudo) e o terror Kyōfu Kikei Ningen (1969), baseado em obra de Edogawa Ranpo. Todos esses trabalhos o conectaram à equipe da Toei.

Após sua saída, uma nova audição emergencial foi realizada e Hiroshi Fujioka foi escolhido para viver Takeshi Hongo. Uma nova foto foi anexada ao roteiro do episódio 1, substituindo a imagem anterior de Kondo. Os produtores o descreveram como um “jovem viril de voz forte”, habilidoso em artes marciais, mas que precisaria deixar o cabelo crescer para se adequar à imagem de Hongo. Na época, ele já atuava em Kendo Mashigura (TBS) e Gold Eye (Nippon TV).

Com a reformulação do elenco, Yoko Shimada foi substituída como Ruriko. O papel passou para Chieko Maki, descoberta pelo produtor Hirayama em um comercial de shampoo da marca Emerson Lion. Maki assumiu em janeiro de 1971, já na fase em que o projeto se consolidava como Kamen Rider.

Shimada, por sua vez, foi remanejada para interpretar Hiromi Nohara, melhor amiga de Ruriko. Ela era garçonete no restaurante Snack Amigo e posteriormente passou a integrar o Tachibana Racing Club. Hiromi esteve presente do episódio 1 ao 25, retornando brevemente no episódio 34. A personagem aparentemente não existia nas versões iniciais do projeto e pode ter sido criada para manter a atriz na produção.

Nas coletivas de imprensa antes da estreia e nas sessões de fotos promocionais, Shimada aparecia ao lado de Maki e Fujioka, sugerindo que sua personagem teria igual destaque, o que não se confirmou. Curiosamente, ela permaneceu na série por mais tempo que Maki, que saiu no episódio 13.

A personagem Hiromi “Hachi-Aug” do filme Shin Kamen Rider (2023) foi parcialmente inspirada em Hiromi Nohara.

Yoko Shimada conquistou reconhecimento internacional em 1980 ao interpretar Lady Mariko na série Shogun, primeira adaptação live-action baseada na obra de James Clavell. Ela contracenou com Richard Chamberlain e Toshiro Mifune, e seu desempenho lhe rendeu um Globo de Ouro, sendo a primeira atriz asiática a conquistar o prêmio. Em 2024, a série ganhou uma nova versão (Xógum – A Gloriosa Saga do Japão, Disney+), com Anna Sawai no papel de Mariko. Shimada faleceu em julho de 2022, aos 69 anos, vítima de câncer colorretal.

Brevemente, Jiro Chiba (irmão de Sonny Chiba) e Keiko Matsuzaka também foram cogitados para os papéis principais. Jiro Chiba acabou entrando na série como o agente Taki Kazuya, estreando no episódio 11, após o acidente de motocicleta sofrido por Fujioka nas gravações dos episódios 9 e 10. Taki tornou-se peça-chave na ação, permanecendo até o final da série como aliado dos Riders.

A criação de Kamen Rider foi marcada por uma intensa troca de ideias, testes de elenco, reformulações conceituais e decisões ousadas. O que hoje conhecemos como um dos pilares da cultura pop japonesa poderia ter seguido um caminho muito diferente caso Masaomi Kondo e Yoko Shimada tivessem permanecido nos papéis principais.

No fim, essa complexa teia de bastidores mostra que, mesmo tratando-se de uma “série infantil de mais de 50 anos atrás”, ainda há muito a explorar e compreender sobre sua origem — e o quanto ela moldou o futuro do tokusatsu.

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