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Coluna Relâmpago: Quando a semelhança é coincidência e quando é inspiração?

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Atualmente, a cultura pop vive um cenário de saturação criativa. São tantas produções em quadrinhos, séries, filmes, games e animações que, inevitavelmente, surgem conceitos semelhantes sem que haja, de fato, uma ligação direta entre eles. Muitas vezes, o que vemos não é uma cópia, mas sim o resultado de um ecossistema de referências que se retroalimentam.

Um criador pode se inspirar em uma obra sem perceber que aquela obra, por sua vez, já havia sido inspirada por outra anterior. É como uma cadeia: a referência da referência da referência, algo que buscamos explorar em nosso conteudo em áudio, Tokucast. Esse processo faz com que determinados elementos — um herói sombrio, um mundo onírico, uma transformação mágica, um vilão trágico — apareçam repetidas vezes em narrativas diferentes, sem necessariamente configurar plágio.

Por outro lado, também existem os casos de inspirações descaradas, em que a semelhança é evidente, mas os criadores não admitem a influência direta. Isso gera debates acalorados entre fãs e especialistas, que tentam traçar as linhas entre homenagem, coincidência e apropriação criativa.

No fim das contas, a cultura pop é construída em cima de um imenso mosaico de ideias já existentes. O que realmente diferencia uma obra não é apenas o conceito em si, mas a forma como ele é executado, reinterpretado e apresentado a um novo público.

No Brasil, a lei é clara: o plágio pode ocorrer de várias formas, desde citações sem mencionar o autor original até a apropriação de conceitos desenvolvidos por outras pessoas e apresentados como inéditos ou próprios. O plágio é crime, segundo a Lei nº 9.610/98, que trata dos direitos autorais. Porém, sem provas concretas — e em um cenário com tantos conceitos semelhantes na cultura pop — torna-se difícil determinar se uma ideia é original, homenagem ou simples coincidência.

Esse debate ganhou força com a chegada de Kamen Rider Zeztz, que recebeu críticas do escritor de Berserk, Kouji Mori. Em declaração de 5 de setembro, o autor afirmou ter identificado semelhanças entre a trama do herói que se transforma e luta em sonhos e o mangá D. Diver (D.ダイバー), seu último projeto ao lado de Kentaro Miura.

Publicado desde maio de 2023 na revista Young Animal (Hakusensha), D. Diver acompanha Kagura, um estudante universitário que sonha em ser advogado e passa a ter sonhos vívidos em que pune criminosos. Aos poucos, percebe que suas ações no mundo onírico afetam a realidade. Conforme sonho e realidade se misturam, Kagura se torna um “dark hero”, usando seus sonhos para combater o crime.

Mori revelou que, em 2023, foi convidado a contribuir com ideias para um filme derivado de Kamen Rider. Chegou a compartilhar conceitos de D. Diver e entregar um exemplar ao produtor responsável, que demonstrou interesse. O projeto não avançou, mas, ao ver os primeiros detalhes de Zeztz, o autor disse ter ficado chocado.

A história de Zeztz acompanha Baku Yorozu, um jovem entediado com a vida real que, ao dormir, adquire sonhos lúcidos. Neles, resgata Nemu, heroína capturada por criaturas chamadas Nightmares, que tentam invadir o mundo real. Em um de seus sonhos, recebe de uma organização chamada CODE um cinto de transformação e passa a lutar como Kamen Rider Zeztz, encarregado de impedir que pesadelos se tornem realidade.

Nesse contexto, a participação de Mori em 2023 pode ter servido como inspiração ou até colaboração. Porém, mesmo sem essa ligação direta, Zeztz dialoga com diversas produções. Como destaquei em meu review do primeiro episódio, há homenagens a filmes de espionagem como James Bond e Missão Impossível, além de ecos de obras que exploram o inconsciente, como A Origem (Inception), A Cela (The Cell), A Hora do Pesadelo (A Nightmare on Elm Street) e, por coincidência dentro da vasta rede de referências da cultura pop, a graphic novel Dream Police, de J. Michael Straczynski.

A graphic novel conta a história de Kate Black, parceira de longa data de Joe Thursday na Dream Police, protegendo sonhadores e os estranhos habitantes do mundo dos sonhos. Mas uma lembrança persistente de outro parceiro — alguém que ninguém mais recorda — começa a assombrá-lo. Ele ousará seguir esse fio até o fim, mesmo que isso ameace virar seu mundo de cabeça para baixo e destruir tudo o que acredita ser verdade sobre a Dream Police.

Na minha visão como criador de conteúdo — e não como especialista em leis —, com ou sem a contribuição de Mori, Kamen Rider Zeztz representa uma grande amálgama de conceitos. Alguns têm inspiração clara em obras específicas (principalmente as que possuem grande sucesso pelo mundo e já estão consolidadas no imaginário popular), enquanto outros fazem parte do vasto repertório compartilhado da cultura pop.

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O texto nesta coluna é de responsabilidade de seu autor.

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